sexta-feira, outubro 03, 2008

I´m afraid of Americans



Este vídeo começa com David Bowie a fugir de Trent Reznor, vocalista e líder dos NIN e é o clip de uma música com o nome deste post.
No entanto, o post podia perfeitamente chamar-se "o pior cego é o que não pode nem quer ver" e podia ter um vídeo de José Saramago a fugir de um grupo de cegos empunhando bandeiras dos EUA.

Porquê?
Ora tomem lá mais um vídeo.
Fiquem com o trailer de "Blindness", o filme baseado no livro Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago.



O filme foi realizado pelo brasileiro Fernando Meirelles(também realizou “Cidade de Deus”), estreia esta sexta-feira e já está a ser fortemente criticado pela Federação Nacional de Cegos dos Estados Unidos.

O director executivo da Federação de Cegos nos Estados Unidos, John Paré, afirmou que «tanto o livro como o filme retratam os cegos como incapazes de fazer seja o que for e até como viciados ou criminosos. Isto é completamente absurdo», e acrescenta que «há 70 por cento de cegos nos Estados Unidos que estão desempregados», sendo que este filme reforça essa realidade. «Provavelmente vai levar a que os cegos tenham menos oportunidades e até a perder empregos», avisando ainda que o filme pode gerar o medo e a repulsa contra os cegos e considera ainda que o filme não é uma alegoria.

Ora, o que pretende a Federação Nacional de Cegos dos EUA?
Nada mais nada menos que o filme seja retirado e haja manifestações de protesto em todas as 70 e tal salas em que o filme será exibido.

Bem, todos sabemos que Saramago não é propriamente uma pessoa afável e não reúne a admiração de muitos portugueses e que é elogiadíssimo por todo o mundo mas nem todos admiram a sua forma de escrever...

Este livro, o "Ensaio sobre a Cegueira", é um dos meus favoritos, foi um dos que mais prazer me deu ler. Bem escrito, com uma narrativa interessante e, pasme-se... puramente ficcional!

José Saramago considerou que os responsáveis da Federação Nacional de Cegos estão a comentar um filme que «infelizmente» não conseguirão ver e disse que «a estupidez não escolhe entre cegos e não-cegos», acrescentando que esta posição «é uma manifestação de mau humor assente sobre coisa nenhuma».

O que é realmente ridículo é que o livro chegou ao mercado norte-americano em 98, vendeu mais de meio milhão de exemplares e não gerou polémica.

Mas voltemos atrás.
Se John Paré acha mesmo que «tanto o livro como o filme retratam os cegos como incapazes de fazer seja o que for e até como viciados ou criminosos» e que «provavelmente vai levar a que os cegos tenham menos oportunidades e até a perder empregos», eu sou obrigado a concordar com Saramago qd este diz que «a estupidez não escolhe entre cegos e não-cegos».

Eu li o livro, não vi o filme, mas dá para perceber que o livro e o filme falam de uma pessoa que fica cega de repente. Uma pessoa que passou toda a vida com visão e um dia acorda cego.

Eu diria mesmo que o tal senhor americano é mais que estúpido, é ignorante.
De repente ficar cego, tal como perder a audição ou a fala ou ter um acidente que tira o movimento dos membros superiores ou inferiores ou ambos, parece-me que seriam situações que deixavam qualquer um incapaz, pelo menos durante uns tempos.

Quer dizer, durante 30 e tal anos o homem sempre teve visão, um dia acorda sem ela, e era suposto o quê?

Ele sair da cama e dizer "eu sou cego mas mereço as mesmas oportunidades que os outros porque sou capaz de executar as mesmas tarefas"?
Ou seria normal o homem entrar em pânico, desesperar, não saber o que fazer porque sempre tinha tido visão e ficar sem sentido de orientação, etc,etc?
Será que o tal John Paré acha mesmo que o homem ia acordar cego e dizia "calma, agora saio da cama, são 5 passos em frente e dois para a direita e levanto o tampo da sanita. Depois são 2 para a esquerda para a banheira. A toalha está três apalpadelas para cima. Depois volto a fazer o percurso até à cama, são três passos para a direita até ao armário, o fato de hoje está no 4º cabide a contar do travessão de madeira ao meio, a camisa está dois cabides à esquerda e é a terceira a contar de cima. A gravata está na cadeira, um passo à direita. Depois vou até à porta do quarto e sigo até ao fundo do corredor, onde fica a cozinha. O leite está no frigorífico na parede da direita e os flocos estão na prateleira por cima do frigorífico, é o pacote mais alto ao meio. Deixo tudo na máquina de lavar, que fica ao pé da porta, antes de sair. Rodo o botão 8 cliques e carrego no botão da ponta direita para enxaguar. Depois sigo pelo corredor da direita até à porta de casa. o botão do elevador está três passos em frente e à esquerda. Carrego no 3º botão da direita a contar de baixo para ir para o rés-do-chão. Saio sempre em frente, 4 passos depois tenho as escadas, 6 degraus, a porta fica 4 passos depois. A paragem do autocarro fica quase em frente. Procuro o passeio com o pé. Saio ao pé do trabalho, que fica para a esquerda da paragem. Seguir o cheiro a carne e a sangue. Entrarno talho. Pegar no cutelo. Desempenhar as minhas funções como sempre porque fiquei cego hoje de manhã mas não fiquei incapaz".

Era isto?

A cegueira não é desculpa para ter "vista curta", pelo menos no sentido da expressão. Basta pensar o que é alguém ver-se (ok, parece que estou a gozar) a braços com uma situação extrema como a tratada no filme.

Por isso digo:

O pior cego é o cego que não quer "ver".


FOI PROFUNDO!

1 comentário:

A disse...

espero que não te importes, mas vou sugerir alterar o aforismo para: o pior cego é o cego americano.

bom post, gostei particularmente da descrição exaustiva dos primeiros pensamentos de um iniciado na cegueira :p

Dispenso...

Porque tudo o que é dito é dispensável...
Porque tudo o que é escrito é dispensável...

Este é um blog onde se fala a sério e se brinca.
Quem não goste de ironia ou sarcasmo que feche esta página rapidamente!
Aqui ninguém tem razão.
Eu não pretendo estar certo, pretendo observar e pretendo fazê-lo de uma forma atenta e crítica...de uma forma dispensável.

Dispenso...um blog dispensável.

pessoas já dispensaram um tempinho para dar uma espreitadela