Julgo que não terei feito mal a ninguém para ter de ver certas coisas...
Na noite passada, recebi um email de um amigo a elogiar uma certa declaração de voto de um colega de partido.
Abri o pdf e, qual não foi o meu espanto, quando li meia dúzia de linhas onde se podia vislumbrar o que terá sido a infância do rapaz/senhor.
Aqui fica o textinho:
“Em primeiro lugar queria que as palavras que eu vou dizer ficassem registadas ipsis verbis, na minha declaração de voto, sem omitir rigorosamente nada. Não digo isto por haver uma prática de omitir aquilo que as pessoas dizem, mas porque faço questão de o dizer em relação a este assunto.
O casamento é um sacramento instituido por Deus Nosso Senhor Jesus Cristo para ser celebrado entre um homem e uma mulher. E não é as ideias esquisitas que algumas pessoas, que entendo que têm uma formação deficiente, querem fazer impor à sociedade que vai alterar esta circunstância.
Deus colocou no Paraíso um Homem e uma Mulher, não colocou dois paneleiros ou duas lésbicas.”
Esta é, ou foi, a declaração de voto numa moção sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo do deputado da Assembleia Municipal de Odivelas, eleito pelo PSD, um tal senhor João Rego de Carvalho.
Depois de ler isto tenho de pegar no meu bisturi imaginário e dissecar as palavras do Rego de Carvalho.
“Em primeiro lugar queria que as palavras que eu vou dizer ficassem registadas ipsis verbis, na minha declaração de voto, sem omitir rigorosamente nada. Não digo isto por haver uma prática de omitir aquilo que as pessoas dizem, mas porque faço questão de o dizer em relação a este assunto."
Logo por aqui se vê que o senhor acha que vai dizer uma grande coisa, tão grande e tão importante que tem de aparecer na íntegra. E íntegro, como vamos ver, é o que ele julga ser.
"O casamento é um sacramento instituido por Deus Nosso Senhor Jesus Cristo para ser celebrado entre um homem e uma mulher. E não é as ideias esquisitas que algumas pessoas, que entendo que têm uma formação deficiente, querem fazer impor à sociedade que vai alterar esta circunstância."
Deus Nosso Senhor Jesus Cristo? mas quem é que fala ou escreve assim? Acho que só um pároco... E mesmo essa classe já se modernizou/actualizou.
E note-se o pretensiosismo do Rego quando vem falar da "formação deficiente" de quem é a favor do casamento gay. Já vamos ver quem tem a boa formação...
Já agora, Rego, se por acaso leres isto, "e não é as ideias esquisitas", para quem tem uma formação deficiente como eu, soa mal. A minha formação deficiente deixa-me a pensar se isso não se deveria escrever "e não são as ideias esquisitas". Mas isso sou eu, que tenho uma formação deficiente....
"Deus colocou no Paraíso um Homem e uma Mulher, não colocou dois paneleiros ou duas lésbicas.”
Há um termo típico da internet que eu acho que se adequa de sobremaneira a esta frase. LOL
LOL significa laughing out loud (para quem não sabe) e não é mais que uma grande gargalhada. E este senhor Rego bem podia ir fazer stand up.
Eu li qualquer coisa sobre formação deficiente, não li?
Paraíso...isso soa parecido com Pai Natal, Papão, Homem-do-Saco... Ah! E políticos competentes!
Fui espreitar a página da Câmara Municipal de Odivelas e, pasme-se, o Rego faz parte da Comissão de Educação, Cultura, Juventude e Desporto da CMO!
Educação, profundamente católica e bem hermética; Cultura, cristã e limitadíssima; juventude, como se pode ver pelo estilo de pensamento jovem do Rego; Desporto, corrida até à paróquia e gincana entre o confessionário e a aula de catequese...
Agora, mais a sério, este senhor é deputado e mistura religião com política e legislação?
Para quem não sabe, a separação entre a Igreja e o Estado foi decretada em Portugal a 20 de Abril de 1911 , na sequência da instauração da República em 5 de Outubro de 1910.
A primeira Constituição da República, aprovada a 21 de Agosto de 1911, veio confirmar a laicidade introduzida pelo novo regime.
Depois, o golpe militar de 1926 desembocou na ditadura fascista de Oliveira Salazar, a qual teve como um dos seus pilares a aliança com a Igreja Católica.
Desde a revolução dos cravos de 1974 e a aprovação de uma Constituição democrática em 1976, que Portugal é um estado laico, embora persistam, infelizmente, muitas situações e práticas clericalistas que impedem a realização plena dos ideais laicos.
O laicismo é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa. Não deve ser confundida com o ateísmo de Estado.
Os valores primaciais do laicismo são a liberdade de consciência, a igualdade entre cidadãos em matéria religiosa, e a origem humana e democraticamente estabelecida das leis do Estado.
A palavra laico é um adejctivo que significa uma atitude crítica e separadora da interferência da religião organizada na vida pública das sociedades contemporâneas. Politicamente podemos dividir os países em duas categorias, os laicos e não laicos, em que nos países politicamente laicos a religião não interfere directamente na política, como é o caso dos países ocidentais em geral. Países não laicos são teocráticos, e a religião tem papel ativo na política e até mesmo constituição, como é o caso do Irão e do Vaticano, entre outros.
( in Wikipédia)
Há diversas coisas que me espantam no discurso deste artista.
1)Começando pelo discurso completamente conservador, que fala em Deus Nosso Senhor Jesus Cristo e que defende a concepção de um Paraíso e respectivos Adão e Eva.
Que tipo de mentalidade tem este senhor? Que tipo de indivíduo é que pensa assim e é colocado numa comissão que lida com educação e jovens e cultura?
Como está ali escrito mais acima, foi no fascismo que a igreja e a política andaram de mãos bem dadas...Ah! E na monarquia! Será que isto quer dizer alguma coisa?
2) O Rego tem-se em elevada consideração, a ele e à sua formação. E acha que quem não andou na catequese e não "emprenhou pelos ouvidos" o discurso religioso dele e é a favor dos casamentos entre indivíduos do mesmo sexo teve uma "formação deficiente". Isso é óbvio, aliás, se eu fosse deputado nunca me iria dirigir a ninguém, enquanto deputado e numa declaração de voto, usando a palavra "paneleiro". Mas isso é só para pessoas com uma excelsa formação, como o Rego. Quem fala em paraíso para se referir a um assunto desses é bem capaz de se lembrar de ir buscar o Pai Natal para defender a sua proposta de Orçamento ou o Papão para assustar quem pretenda votar num partido adversário.
3) O Rego é deputado mas não sabe que o que esteve submetido a aprovação foi o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. O Rego desempenha uma função mas não sabe para que serve ou quais os princípios que regem essa função. O Rego mistura casamento religioso - aquele que mete lá o tal Deus Nosso Senhor Jesus Cristo dele e o Paraíso e o Adão e a Eva dele - com o casamento civil, aquele que estava a ser discutido.
Aqui nem está em discussão o facto de eu concordar ou não com o casamento de pessoas do mesmo sexo (e, de facto, não tenho nada contra), o que pretendo analisar foi um discurso ridículo de uma pessoa que tem responsabilidades mas não faz a mínima ideia do que anda a fazer. Mais ainda, acha que fez/disse uma grande coisa!
FOI PROFUNDO!
quinta-feira, outubro 23, 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Dispenso...
Porque tudo o que é dito é dispensável...
Porque tudo o que é escrito é dispensável...
Este é um blog onde se fala a sério e se brinca.
Quem não goste de ironia ou sarcasmo que feche esta página rapidamente!
Aqui ninguém tem razão.
Eu não pretendo estar certo, pretendo observar e pretendo fazê-lo de uma forma atenta e crítica...de uma forma dispensável.
Dispenso...um blog dispensável.
Porque tudo o que é escrito é dispensável...
Este é um blog onde se fala a sério e se brinca.
Quem não goste de ironia ou sarcasmo que feche esta página rapidamente!
Aqui ninguém tem razão.
Eu não pretendo estar certo, pretendo observar e pretendo fazê-lo de uma forma atenta e crítica...de uma forma dispensável.
Dispenso...um blog dispensável.
2 comentários:
Pois, o estado é laico, mas o cidadãos não o são. E não pode ser proibido ninguém de invocar Deus, Jeus, Maoemé, seja quem for, muna sua delaração, seja onde for.
O estado laico é um estado tolerante ás religiões... alguns marmelos laico-ateus, é que não!!!
Zeca portuga, onde viste aqui escrito que é proibido invocar Deus, Jeus (que deve ser uma personagem do teu imaginário infantil), Maoemé (que deve ser amigo do Jeus), "muna" declaração...
Olha, não custa nada olhares para o que escreves, acho eu.
Em segundo lugar, o tal deputado tem toda a liberdade em dar a sua opinião apoiado no que a sua mãezinha e o pároco lá da igreja, assim como eu tenho a liberdade de o criticar por isso e tu tens a liberdade de me criticar por ter criticado o homem.
Agora, usar o argumento religioso para fundamentar uma lei?
Marmelos laico-ateus...hummm não sei como é contigo, caro zeca, mas eu gosto de marmelos, sejam eles ateus ou não.
Reza dois avés-marias que isso passa. é a vantagem de acreditares nessas coisas...
Enviar um comentário