Esse rapaz baixinho que muitos conhecem como Nuno Felício,
apareceu-me à frente em 2002, quando ambos entrámos em Jornalismo.
Era o mais velho da pandilha e o mais alto.
Tinha um aspecto de Wally que largara a fatiota de riscas
vermelhas e brancas e uma voz que se pode considerar "do catano".
A voz dele era tão brutal que ele poderia dizer impropérios
a uma jovem e ela iria sorrir e quase agradecer.
Era um tipo com um humor negro e sacana, tenho a certeza que
foi por isso que eu gostei do estilo dele.
Lembro-te de ter chegado a uma pauta de Sociologia Geral e,
perante uma nota infeliz de um colega e ao ver o rapaz aproximar-se no
corredor, diz-lhe "2? Ninguém tira 2 a Sociologia pá!".
Ele tinha uma forma terna de ser violento. Talvez pela voz,
talvez por ser mais velho, talvez por ser mais alto, ele dava-se ao luxo de não
filtrar o que dizia e ninguém ficava ofendido.
Fiquei surpreendido quando, pela primeira vez, vi o nome
completo do rapaz numa pauta. "Said Zavad? És taliban?", perguntei eu.
Respondeu-me que era libanês. Até nisso, o sacana!
Era um tipo diferente... Recatado mas não daquele tipo
introvertido.
Uma das capacidades mais interessantes que tinha era a criatividade. A mesma que usava para criar jingles para a RUC, usava no dia a dia. Foi assim que nasceu o Sanguinário de Eiras, por exemplo, a bonita alcunha que colocou ao Renato Rod Stewart Lopes.
Além de entrarmos ao mesmo tempo em Jornalismo, decidimos
fazer os testes para entrar na RUC no mesmo ano.
Entrámos, fizemos a formação juntos, fizemos o
"estágio" juntos e passámos várias horas na RUC na pura galhofa.
Também foi na mesma altura que o João Quaresma nos perguntou
se queriamos fazer parte da equipa dos relatos. No antigo estúdio 3, o Quaresma
aparece com um vídeo debaixo do braço e uma cassete de um jogo. Experimentámos
relatar e, ao fim de uns minutos, diz-nos que não havia dúvidas: o Nuno ia
relatar e eu ia fazer pista.
O que eu sei é que fomos os dois fazer o primeiro teste.
Chegámos a Alvalade numa noite fria de Novembro (dia 27, segundo o Google),
íamos relatar em off o Sporting – Gençlerbirligi (o Gençler, como o Nuno
dizia), a contar para a Taça UEFA.
Quando fui retirado do relvado por um responsável da UEFA,
disse ao Nuno "olha! fui o único repórter a estar atrás da baliza neste
jogo!". Ele respondeu: "És mesmo parolo! Não sabias? Eu também
não...".
Depois disso fizemos a estreia na Mata Real, num Paços de
Ferreira X Académica (diz-me o Google que foi dia 21 de Dezembro). Não sei
quanto ficou, a única coisa que ficou gravada na minha memória foi o Nuno a
entrar na zona de imprensa, um sótão incrivelmente baixo.
Quando entrei ia partindo a cabeça e comecei a rir. O Diogo
Lucas Pires, já experiente e conhecedor do estádio, perguntou-me de que ria se
quase parti a cabeça. Respondi-lhe que não conseguia parar de imaginar o Nuno a
entrar ali.
E realmente foi uma cena hilariante. Os 2 metros do Nuno num
sótão com pouco mais de 1metro de altura só davam mesmo para rir.
Tivemos momentos incríveis, recordo os 5 golos da Briosa no
Restelo, com o Diogo Lucas Pires a tentar controlar um trio que falava de tudo
menos do jogo e conseguia fazer piadas a partir de um pingo de chuva. Era
perigoso quando conseguia estar na pista com o Nuno a relatar "lá em
cima" e o Avelino Américo no estúdio.
A frase chave dele era “o jogo está fraquinho, fraquinho,
mau, péssimo, uma náusea!”.
Sei que acabámos por nos separar quando fomos estagiar. O
Nuno escolheu rádio, eu escolhi televisão. Os dois em Lisboa, de vez em quando
lá fazíamos a promessa de "temos que marcar alguma coisa pá!".
E calhou que o ponto de encontro fosse a porta da PJ,
durante a confusão toda da Universidade Moderna. Cheguei era quase meia noite e
o Nuno diz-me: "agora é que vens? Eu vou embora à uma!".
Só sei que ficámos na conversa até às 4h da madrugada.
Falámos das aventuras dos relatos principalmente. Estava lá uma personagem da
RTP, um tal de Fialho, de rabo de cavalo e cabelo grisalho, com quem
dissertámos acerca do CAGA, o Clube de Amigos do Gabriel Alves.
Ainda me cruzei com ele na RUC quando ele avisava que ia dar
formação às novas fornadas de malta da informação, mas essencialmente valeu-nos
o Facebook para manter as sempre disparatadas conversas.
Liguei-lhe em Abril de 2012. Desafiei-o para fazer o relato
da Académica em Alvalade comigo e pedi-lhe para perguntar aos
"patrões" se havia problema. No dia seguinte confirmou-me que iria
mas que estava enferrujado.
30 de Abril. Foi o dia em que relatei pela última vez com o
Nuno.
O Said Zavad fez o primeiro relato comigo e fez o último
também.
Nunca pensei.
Era sempre garantido que
seria um grande relato quando tinha o Nuno "lá em cima".
Sei que muitas pessoas acreditam que ele foi "lá para
cima", ou que "foi para um lugar melhor".
Eu sei e garanto que o Nuno estava muito bem e muito melhor
entre nós.
Também sei que tive a felicidade de conviver com ele e de o
ter como amigo e companheiro de várias lutas.
A tristeza que sinto por pensar que não o vou ver mais é
abafada por todas as recordações que tenho do Felício.
Como disse a uma amiga de infância do Nuno, não dou os
pêsames a ninguém, apenas os parabéns por o terem conhecido.
1 comentário:
Bonito Filipe. Sente-se que vem do fundo do coração.
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