quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Eu bem digo...explorar é que está a dar!

Depois de eu ter escrito o post sobre as reformas de luxo e outro sobre a exploração dos recém-licenciados e ter falado do papel do Estado em toda a situação, eis que a senhora ministra da educação vem tomar uma medida que me parece um sinal... um sinal singular.
Eu diria que a senhora ministra lê o meu blogue e governa de acordo com o que lê. Mas actuando no sentido oposto das críticas.

A notícia é esta:

O Ministério da Educação pretende recrutar professores reformados para, em regime de voluntariado, colaborarem no apoio aos alunos nas salas de estudo, em projectos escolares ou no funcionamento das bibliotecas.

Segundo um projecto de despacho do secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, a que a Lusa teve acesso, as escolas definem no início de cada ano lectivo as suas necessidades, estabelecendo o perfil dos candidatos a recrutar e elaboram um programa de voluntariado.

O programa tem a duração de um ano lectivo, sendo renovável por iguais períodos de tempo. O trabalho do professor voluntário implica um mínimo de três horas por semana.

No final de cada ano lectivo, os professores voluntários elaboram um relatório anual da sua actividade, no qual deve constar uma autoavaliação.

Para a coordenação do trabalho voluntário será criada ao nível de cada Direcção Regional de Educação uma estrutura própria.

As áreas de intervenção do professor voluntário incluem ainda o apoio à formação de professores e pessoal não docente, o planeamento e realização de formação para pais, o apoio a visitas de estudo e o envolvimento em projectos de melhoria da sociedade local.

No texto do projecto de despacho, o secretário de Estado da Educação afirma que o "trabalho dos docentes aposentados se constituirá como uma actividade assente no reconhecimento das suas competências científicas, pedagógicas e cívicas, exercida de livre vontade, sem remuneração, numa prática privilegiada de realização pessoal e social".

A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) já criticou a iniciativa do Governo, afirmando que aquelas actividades "deveriam ser da responsabilidade dos professores no activo", com os quais, no entanto, as escolas "não podem contar". Por outro lado, afirma que a medida "economicista" poderá "remeter para o desemprego jovens professores".

"Não se questiona, para as escolas e as comunidades, das actividades que são referidas (...), discorda-se é que, para as desenvolver e assumir em pleno, o ME, em vez de criar as indispensáveis condições às escolas dotando-as dos recursos que lhe fazem falta, pretenda, através do trabalho gratuito dos docentes aposentados, substituir aqueles que nelas deveriam ser colocados", afirma a FENPROF.

Em comunicado, a estrutura sindical afirma que este voluntariado não deverá conseguir muitos adeptos, uma vez que "um dos motivos de afastamento de muitos professores aposentados" das escolas é "a natureza e o rumo da política educativa do Ministério da Educação".

O projecto de despacho foi remetido para o Conselho das Escolas, tendo em vista a emissão de um parecer, e para as direcções regionais de educação. A Lusa tentou sem sucesso contactar o presidente deste órgão consultivo do Ministério da Educação, Álvaro Almeida dos Santos.

Como se não bastasse o regime quase esclavagista em que se vive mal se sai da universidade, como se não bastasse o constante braço de ferro entre governo/patronato e os funcionários quando se trata de dar um aumento a quem trabalha, eis que o ministério da Educação teve a ideia peregrina de pôr a trabalhar EM VOLUNTARIADO - um bonito sinónimo para "de graça" - quem já está na reforma.

Estes senhores políticos são mesmo chicos-espertos ou simplesmente o cérebro pára-lhes frequentemente????

Fico com um certo apetite de juntar às duas temáticas abordadas previamente uma nova.
A idade da reforma vai avançando, as pessoas têm de estar cada vez mais anos nos seus trabalhos até ter direito ao merecido descanso e, agora, quando o obtm vem uma senhora qualquer que meteram no governo dizer que vão ter de ir trabalhar de borla????

Porque é que o senhor Presidente da República não trabalha de borla? Ele é reformado!
Porque é que os senhores administradores de empresas públicas ou com participação do Estado não trabalham de borla? Eles são reformados!
Porque é que os senhores juízes reformados não são chamados para fazer umas horinhas por semana gratuitamente? Eles são reformados!

A lógica é espremer até ao tutano quem tem reformas normais ou miseráveis?

Que falta de vergonha na cara!

Ah! Tive uma ideia daquelas mesmo altamente inteligentes e que não passam pela cabeça de ninguém!
E que tal se pegassem nos professores que estão no desemprego e LHES PAGASSEM para fazer essa tarefa?
Sim, é verdade, é preciso ser um iluminado para pensar em algo tão complexo e que não envolva ir explorar quem já andou uma vida a trabalhar para ter um salário no final do mês e agora pode finalmente gozar a sua reforma!


FOI PROFUNDO!

terça-feira, fevereiro 03, 2009

A geração dos explorados

Recebi há coisa de uma semana atrás um email com um texto interessante. 
Um texto daqueles que já tive vontade de escrever várias vezes mas, talvez por estar numa área na qual o emprego é algo tão escasso, o receio de responder desta forma e sofrer represálias irreversíveis sempre foi imenso.

"Venho por este meio responder ao anúncio colocado por V. Ex.ª a 9 JAN 09 no sítio da internet www.net-empregos.com, onde pretendem recrutar um Licenciado em Engenharia do Ambiente ou semelhante, para exercer o cargo de comunicador inbound na área de engenharia e politicas da agricultura.
Permita-me a ousadia de lhe tecer algumas considerações ao referido anúncio: 
1. A Licenciatura em Engenharia do Ambiente ou semelhantes pressupõe um mínimo de frequência de Ensino superior de pelo menos 5 anos, onde pelo menos se paga, e em números redondos 1000€ anuais em propinas; 
2. A licenciatura em Engenharia do Ambiente ou semelhante pressupõe no seu curriculum pelo menos umas 5 (cinco) cadeiras de matemática generalista e aplicadas à Engenharia. 
3. Ainda que seja um recém-licenciado a concorrer ao emprego, este já possui um Know-How que lhe permite lidar com Decretos-lei, Portarias, Directivas Europeias, normativos de referência, etc. 
4. Pressupõe ainda um licenciado, ter uma dose de inteligência acima da média, que lhe permitiu concluir em tempo útil a sua licenciatura, e após ter estado os seus primeiros 25 anos de vida com a “mochila” às costas. 

O primeiro erro do seu anuncio consiste em aritmética pura, ou seja, o valor que pretende remunerar não se chega nem de perto nem de longe ao valor por si atribuído (630€). 

Senão vejamos: 
Salário Base 2,60 € 
Subsídio de refeição 0,79 € 
Multiplicando este valores pelas horas normais de trabalho e pelos dias úteis do mês obtêm-se o seguinte: 
Total hora 3,39 € 
Total dia 27,12€ (multiplicar pelas 8 horas de trabalho) 
Total mês 596,64€ (multiplicar pelos 22 dias úteis) 

Há ainda a descontar a este valor o IRS e a Segurança Social à taxa em vigor. 
De onde virá o restante? 
Será atribuído em forma de prémio por desempenho ou será subsidio de sapiência? 
Por certo V Ex.ª terá feito estas contas e ter-se-á enganado a transcrever o valor. Este seguramente andará mais perto dos 530€, ou mesmo dos 430€, do que o valor por si apresentado. 

O segundo erro do anúncio prende-se com o referido vencimento. 
Desta feita não por questões de aritmética, mas sim de princípio. 
Será possível que quando colocou o anúncio não fez as contas para chegar à conclusão que com esse vencimento estaria a ultrajar um (ou mais) licenciado, por auferirem um vencimento tão baixo? 
Será possível vivermos continuadamente num país que supostamente aposta na formação e depois oferece vencimentos na casa do salário mínimo? 
Para que tenhamos bem a noção dos valores ridículos de que estamos a falar, por curiosidade, vi um anúncio onde uma senhora se oferecia para limpezas e pedia 6€ à hora. Sensivelmente o dobro do que aqui oferecem. 
Admitindo que estaria desempregado e que realmente necessitava de emprego, por valores superiores a esses estaria a repor detergentes (nota: para mim uma profissão tão honrada e nobre como outra qualquer) nas prateleiras duma superfície comercial qualquer, que por certo não me obrigaria a desgaste mental de andar a ler decretos, portarias e tirar dúvidas com conteúdo científico. 

Atrevo-me a dizer que é vergonhoso, ou pelo menos deveria ser, para quem colocou o anúncio, e não menos vergonhoso para quem o mandou colocar. 
E se realmente é esse o salário que oferece tenha a dignidade de o ocultar e de não espalhar pelo país que é isto que os quadros superiores auferem pelo contributo que dão à nossa sociedade. 

Atentamente Rui Dinis 

P.S. Segundo as suas contas este documento vale 1,13€ (brutos) referente a 20 minutos de ocupação.

Quem escreve desta forma consegue colocar num email aquilo que passa pela cabeça de muitos nós.
Quantos colegas de curso (licenciados em jornalismo e outras licenciaturas na área da comunicação) estão registados em sites como o net-empregos ou o cargadetrabalhos e recebem diariamente várias ofertas de trabalho.

Sim, é de trabalho, não é de emprego.
A maior parte das ofertas não contemplam um salário!

Como?
Não há salário?

Quer dizer que temos de trabalhar de graça depois de anos na faculdade, a gastar dinheiro em propinas (aquela história do ensino superior tendencialmente gratuíto pode equiparar-se a uma Amy Winehouse tendencialmente sóbria e "clean"), em livros, em fotocópias, material escolar, transportes e alimentação - adoro especialmente aquela parte em que temos de entregar 3 cópias da monografia e do relatório de estágio e só uma delas é lida e, mesmo assim, só na diagonal. E não são três molhos de folhas, são 3 grupos de folhas devidamente encadernadinhas. - e não posso esquecer quem foi estudar para longe de casa dos pais.

Um somatório de encargos que, no final da licenciatura, tem como prémio o quê?
Um estágio curricular.
Leia-se: "um estágio em que as faculdades fornecem às empresas donas de orgãos de comunicação mão de obra gratuíta".
Depois disso, e como as empresas se habituaram à "mama" e, mais ainda, sabem que há imensos candidatos para um número restrito de vagas, usam o ridículo isco - no qual muitos caem - de dar a "possibilidade de integrar os quadros" ou de "um futuro na empresa", algo que se pode traduzir por outras palavras "vem! vem! ficas cá uns meses e depois vem outro que cai que nem um patinho como tu!".

Há pouco mais de um ano fui a uma entrevista para um projecto interessante. 
Havia dinheiro à farta - aliás, o responsável da empresa fez questão de frisar que a empresa recebia imenso dinheiro de vários patrocinadores, Estado e autarquias - e o senhor estava disposto a oferecer-me um ordenado de 1500€/mês, mais prémio de produtividade e prémio de assiduidade... mas só após 5 meses no emprego. Até chegar a essa altura iria estar dois meses a receber 4,60€/dia e outros 3 meses a receber 600€/mês.

O estranho disto é a visão de alguém que nos diz "olha, eu quero pagar-te um ordenado, mas antes disso pretendo explorar-te bem. Pode ser? Anda lá! Depois vais receber bem!".
Na altura cheirou-me a esturro e recusei. Hoje em dia não me arrependo, até porque nunca ouvi falar da empresa em questão - apesar de ter ido agorinha mesmo ver se estava em funcionamento e ter constatado que está, apesar de não ter tido o desenvolvimento/expansão que na altura me foi apresentado.

Mas, desde então, é raro ver uma oferta de algo sem dizer "não remunerado" ou onde diga no final "ajudas de custo" ou "subsídio de alimentação", geralmente na ordem dos 100€ a 150€.

Mas esta gente pensa o quê?
Que depois de andarmos a gastar uma pipa de massa nos estudos temos de andar a servir de burros de carga para os senhores encherem os bolsos às nossas custas?

Onde é que o Sindicato dos Jornalistas se impõe nesta hora?
Não se impõe.
Embora, por vezes, se disponha a perder uns minutos a enviar umas linhas sobre o assunto.

E o governo tem a sua culpa.
Porquê?
Por duas razões:
1) porque permite que estes abusos sejam cometidos sem qualquer regulação.
2) porque o próprio Estado faz o mesmo. Por exemplo, o Ministério da Educação tem os estagiários a trabalhar sem qualquer remuneração. Em algumas licenciaturas, em que o estágio coincidia com o último ano do curso (falo de pré-Bolonha), os alunos andavam a pagar propinas ao Estado e a trabalhar de borla para o mesmo Estado.

Agora expliquem-me:
QUE RAIO DE ÉPOCA É ESTA EM QUE TEMOS DE PAGAR PARA TRABALHAR?

As coisas chegaram a um ponto em que não há vergonha na cara de quem emprega. 
É suposto alguém viver com rendimentos inferiores às despesas correntes?
O descaramento é tanto que se oferece trabalho a troco de...experiência.
A falta de decência é tão grande que quem emprega já coloca anúncios como se estivesse a fazer o favor de aceitar alguém para trabalhar sem lhe pagar um tostão!

E nós, os que trabalhamos e prezamos o emprego, o salário e alguma estabilidade, trememos!
Vivemos com receio de fazer ou dizer alguma coisa que nos deite por terra as já raras oportunidades de trabalhar, ainda que mal pagos!

Se alguém quiser fazer alguma coisa quanto a isto, então que deixe comentário.
Pode ser que se comece a juntar uma pequena minoria de incomodados com o estado das coisas.


FOI PROFUNDO!

Dispenso...

Porque tudo o que é dito é dispensável...
Porque tudo o que é escrito é dispensável...

Este é um blog onde se fala a sério e se brinca.
Quem não goste de ironia ou sarcasmo que feche esta página rapidamente!
Aqui ninguém tem razão.
Eu não pretendo estar certo, pretendo observar e pretendo fazê-lo de uma forma atenta e crítica...de uma forma dispensável.

Dispenso...um blog dispensável.

pessoas já dispensaram um tempinho para dar uma espreitadela